“Crónicas” de António Lobo Antunes

14 - 16 fev 2007
21h30

Oficina "O actor de teatros”

Exercitar actrizes e actores para as muitas possibilidades da cena contemporânea, através da expressão cénica de textos narrativos.
No teatro contemporâneo, um diálogo fértil entre dramaturgos e encenadores alimenta, alternadamente, a literatura dramática e a poética cénica. Ora os encenadores abrem o palco para inúmeras possibilidades dramatúrgicas. Ora os dramaturgos propõem desafios novos à cena.
O resultado é um teatro sem limites, livre, capaz de todas as invenções, um palco aberto a todas as formas. Na base desta liberdade está a capacidade da cena para construir e demolir, viver e mostrar, ser narrativa e dramática ao mesmo tempo.
Quando Bertolt Brecht definiu a oposição entre épico e dramático, entre narrativo e aristotélico, estava também apontando para uma possível síntese.
O que esta oficina para actores propõe é um exercício para alcançar essa síntese e, a partir dela, reconhecer todas as possibilidades da cena.
Todo o trabalho prático será feito com textos integrais de crónicas do escritor português António Lobo Antunes.
Aderbal Freire-Filho

 

 

QUANDO A CRÓNICA SE FAZ ARTE
Foram três os livros de crónicas publicados até à data por António Lobo Antunes, constituindo-se cada um como uma selecção de textos limitados no tempo, porque publicados na imprensa, nomeadamente nas revistas Egoísta, Pública ou Visão: o primeiro de 1998 intitulado Livro de Crónicas (LC), a que se seguiram em 2002 o Segundo Livro de Crónicas (SLC) e em 2006 o Terceiro Livro de Crónicas (TLC).
A crónica em António Lobo Antunes reveste características peculiares que distanciam os seus textos do registo cronista convencional. Com efeito, neste autor não há qualquer preocupação em dar conta de um quotidiano, criticar comportamentos e atitudes ou transmitir um qualquer ensinamento. As crónicas antonianas são antes o espaço da ficcionalidade, da intimidade, da subjectividade, num evidente prolongamento ou antes numa total conformidade com o registo romanesco, com o qual tecem um incessante diálogo intertextual. Um simples folhear dos três livros de crónicas assim como dos romances publicados na mesma época permite-nos verificar a presença do mesmo modo de tratamento da mancha gráfica, da mesma apropriação da tipografia textual. Do ponto de vista formal, os textos assumem igual consonância com as construções discursivas dos romances, numa progressiva e intensificada recusa da linearidade, da univocidade de pontos de vista, do respeito das normas de pontuação. Nelas reencontramos o mesmo tom discursivo ora dramático ora sarcástico, a mesma temática dando conta dos momentos e dos espaços marcantes da existência do(s) sujeito(s) da enunciação. As crónicas de António Lobo Antunes transportam-nos para o universo da intimidade, onde as personagens se debatem com fantasmas e obsessões, recordam episódios ou pessoas, que marcaram a sua existência. Não se adivinhando nenhum fio condutor nem entre os textos que constituem cada um dos três livros de crónicas, nem entre as colectâneas, é no entanto possível agrupá-los segundo critérios temáticos. Num primeiro grupo encontramos crónicas que se constroem como pequenos universos ficcionais, que põe em cena curtas mas intensas acções, referentes quer à existência do autor, portanto de pendor eminentemente autobiográfico, quer a um mundo ficcional, narrando pequenos episódios das histórias de vida das personagens.
A este grupo pertence a crónica intitulada "Isto” (SLC), onde a entidade enunciativa (na qual reconhecemos o nosso autor) apresenta um retrato particularmente cómico e sarcástico dos polícias que patrulham a cidade. Diz o narrador, quando confrontado com a desagradável situação de ser multado e referindo-se a esses símbolos de autoridade: "Como o alfabeto lhes é difícil e o desamparo me comove ajudo-os na gramática visto que, entre o sujeito que são e o complemento directo que não sabem o que é, não possuem predicado que os salve”. Em "O último rei de Portugal” (LC), problematiza-se um tema de uma grande actualidade: o aberto. Essa crónica conta a separação de um casal, causada pela recusa de o homem (narrador da história) em aceitar a gravidez da mulher, facto que a levou a abortar e seguidamente a abandoná-lo.
Outras há, em que a trama discursiva se centra no próprio discurso, ou seja no trabalho da escrita. São a ocasião escolhida para o autor tecer considerações sobre o modo efabulativo, os processos que sustentam as narrativas, que revelam um profundo sentido crítico sobre o universo romanesco por ele criado. A este grupo pertencem crónicas como: "O coração do coração”, "Onde o artista se despede do respeitável público” do LC, ou ainda "Receita para me lerem” do SLC e "Epístola de Santo António Lobo Antunes aos Leitoréus” publicado no TLC.
De referir ainda a existência de um largo conjunto de crónicas que se constituem como retratos de personalidades particularmente importantes para o autor. Num tom eminentemente emotivo e intimista, António Lobo Antunes dá-nos a conhecer os sentimentos e emoções que a lembrança de certas pessoas lhe proporcionam. Em "Dia de Santo António” (SLC), recorda a figura do avô António, as viagens com o chofer pelas ruas de Lisboa ou uma mais emocionante que os leva até Itália, para visitar o túmulo de Santo António, e que começa assim: "O dia de Santo António era o dos anos da pessoa mais importante da minha infância, por conseguinte, da minha vida”. Os amigos ou as pessoas que admira não são esquecidos: José Cardoso Pires "Para José Cardoso Pires, ao ouvido” (SLC), mas também o editor e amigo José Ribeiro (LC) e o escritor Augusto Abelaira (TLC).
Esta apresentação, apesar de breve e incompleta, permite-nos no entanto ajuizar da incontestável riqueza das crónicas. Para além do valor que encerram individualmente, existe ainda um outro que merece ser explorado. Refiro-me às afinidades analógicas que as crónicas tecem com os registos discursos cultivados pelo autor, uma vez que estes pequenos textos são capazes de produzirem ressonâncias evocativas que nos transportam para universos ficcionais já visitados, os dos romances. Têm, por todo isto, um lugar próprio e de não menos importância na escrita de António Lobo Antunes, lugar ampla e justamente reconhecido pelos seus inúmeros leitores.
Agripina Carriço Vieira

 



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